Há uma célebre frase que diz que “Nós sabemos mais da Lua do que do fundo do mar.” A autoria desse registro é incerta, mas vem se multiplicando desde a metade do século XX e talvez agora, no século XXI ela já não seja tão real. O planeta Terra é coberto por 70% de mares e oceanos e o conhecimento sobre a sua biologia, física, geologia avança a cada dia.
Se antes o mar profundo parecia inalcançável, hoje passa a ser vista como uma potencial fonte de recursos minerais para a crescente demanda da humanidade. O aumento de aparelhos eletrônicos, baterias para carros e meios de transporte, placas solares para a geração de energia necessita uma quantidade incalculável de recursos minerais, que leva a humanidade a olhar novas fontes ainda não exploradas – o alto mar.
Dessa forma, os recursos minerais presentes em alto mar surgem como uma alternativa real para suprir a necessidade da humanidade por esses recursos e sem causar tantos impactos ambientais. Esse era o pensamento até poucos anos, talvez duas décadas atrás, entretanto estudos atuais demonstram que o assoalho oceânico é muito mais rico em biodiversidade do que se pensava há poucas décadas.
Um estudo publicado em 2020 por uma equipe de pesquisadores japoneses simulou a mineração em alto mar e avaliou o impacto sobre a população de peixes no local e após um ano, a população de peixes e camarões naquela área, foi reduzida em cerca de 43%, sem contar os possíveis impactos na fauna microscópica como plâncton.
É possível que a concentração de metais valiosos no fundo do mar seja na casa dos trilhões de dólares, em volumes muito maiores do que os presentes no solo continental. Esses minerais podem ser encontrados em águas profundas, a milhares de metros de profundidade e centenas de quilômetros da costa de qualquer país. Segundo cientistas, é estimado que somente a quantidade de ouro no fundo do mar seja suficiente para dar 4 kg a cada pessoa da terra.
Além do ouro, existem lugares no meio dos oceanos que são altamente ricos em níquel, cobalto, lítio manganês, zinco, magnésio, metais de terras raras e outras riquezas minerais inimagináveis há poucas décadas. Algumas dessas reservas minerais encontradas no chão oceânico são muito maiores que todas as reservas conhecidas em terra firme e podem ser a solução para uma demanda global cada vez mais crescente de minerais e metais utilizados em dispositivos eletrônicos e baterias.
Porém a maior parte dessas reservas minerais estão em águas internacionais, além da faixa de 370 km de mar que pertencem a cada país. E aí que reside a grande questão: como estabelecer regras para a mineração submarina em águas internacionais, onde não há jurisdição de nenhum país?
Assim como a pesca comercial acontece em águas internacionais e pode desestabilizar os recursos pesqueiros de países próximos que não foram responsáveis pela captura dos peixes, a mineração em águas internacionais foi um dos temas alinhados com a criação da ISA (Internacional Seabed Authority), Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, que estabelece que os recursos minerais contidos nos oceanos são direitos da humanidade como um todo e sua exploração deve sempre beneficiar a todos igualmente.
A responsabilidade da ISA é controlar as atividades que envolvam a exploração de recursos minerais que ocorrem nos oceanos e que devem beneficiar toda a humanidade.
Além das questões éticas e ambientais sobre a exploração submarina dos recursos minerais em alto mar, há questões econômicas sobre a viabilidade de tal exploração. A mineração em larga escala em alto mar, há milhares de metros de profundidade, com escuridão total e pressão da coluna d’água ainda carece de desenvolvimento para que seja economicamente viável.
O assoalho oceânico é removido, transportado por tubulações até a superfície, onde os minerais são separados e todo o lodo, água, animais e demais componentes do solo oceânico são descartados de volta ao mar, espalhando a contaminação além do local de exploração. O que antes era um ecossistema em equilíbrio passa a ser um local totalmente exposto e fragilizado pela mineração.
A contaminação por metais pesados que antes estavam sedimentados passa a ser uma realidade para os organismos filtradores, peixes, plâncton e outras formas de vida. A contaminação pode ser levada a centenas e milhares de quilômetros pelas correntes marinhas.
Outro ponto de preocupação é a escala das operações de mineração, que ocorrem por dezenas de quilômetros, mesmo espécies móveis como peixes podem não ter alternativas e não conseguir escapar, ter seu ambiente totalmente destruído e isso refletir nos estoques pesqueiros em curto prazo, sem ao menos sabermos como o ecossistema irá se recuperar e o tempo necessário para tal.
O alto mar sempre foi considerado como pouco rico em biodiversidade ou mesmo como um local que não teria nada a oferecer à humanidade, mas são locais ricos em minerais, com ampla e frágil biodiversidade, acesso remoto e com potencial de riquezas inimagináveis. Mas além da riqueza material, de minerais, de valores monetários, devemos considerar o valor incalculável da biodiversidade marinha antes de iniciarmos a exploração submarina de minerais.
Referências:
Mineração submarina afeta peixes e camarões, revela estudo pioneiro | Biodiversidade | Um só Planeta (globo.com)
Conferência dos Oceanos articula moratória de exploração de minerais em alto mar (globo.com)
Novo Eldorado ou catástrofe ambiental? Falta de consenso na ONU pode em breve permitir mineração em águas profundas (globo.com)
Exploração das profundezas do mar preocupa como ‘última fronteira’ para mineração – BBC News Brasil